Defender uma intervenção militar é desconhecer a história do Brasil

A ilusão de que sob um governo militar a gestão do país estaria em ordem começou a ganhar força, recentemente, em 2013, nas manifestações contra o fim da corrupção. Portando cartazes e faixas, os manifestantes pediam a volta da intervenção militar, mesma reivindicação dos Caminhoneiros, que paralisaram o abastecimento no país em uma greve que durou dez dias, em 2018.

A perigosa ilusão aponta uma clara contradição: quem participou de manifestações e apoia ditadura ou “intervenção militar” está, na prática, defendendo a negação daquilo que ajudou a promover nas ruas.

O certo é que militantes e indivíduos que participam de tais atos desconhecem que a solução pleiteada por eles não está prevista pelo ordenamento jurídico brasileiro e que a desejada intervenção é sinônimo de golpe militar. O palavreado que emprega expressões como “intervenção militar constitucional” tem servido para atrair incautos e pessoas com baixo nível de consciência.

INTERVENÇÃO É GOLPE

Tampouco a Constituição Federal, no artigo 142, utilizado para embasar esse pedido, não prevê uma ação das Forças Armadas para remover, a pedido do povo, um governante eleito de forma legítima. Em outras palavras, intervenção é golpe, pura e simplesmente. E tanto o golpe em si quanto sua defesa são crimes pela legislação brasileira, de acordo com os artigos 17 e 22 da Lei de Segurança Nacional, de 1983.

A palavra “ditadura” nos remete a tempos sombrios da história brasileira, como o Estado Novo getulista e o regime militar, cujo encerramento veio no ano de 1985. A convicção antidemocrática tem movido alguns personagens a acreditar ou achar ser essa a melhor solução para o Brasil, como se no tempo dos militares a situação era melhor”.

Puro engano: naquela época (1964 a 1985), as violações de direitos humanos, as torturas e mortes, a censura à imprensa, as restrições às liberdades democráticas eram a marca do governo ditatorial. Crer em uma saída via no golpe militar ou em um regime de força é esquecer que, ao sufocar o espírito democrático, até mesmo essas manifestações seriam proibidas.

LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO

Nas duas décadas sob o comando dos militares, não houve eleição presidencial, mas ocorreram prisões, torturas bárbaras e mortes. Os que se manifestam hoje a favor da Intervenção Militar, não viveram e desconhecem os fatos daquela época, sendo fruto de desinformação histórica. Tal prática tem servido para provocar a divisão das famílias e da própria sociedade, pois cria um cenário ilusório e tenso.

Os defensores do retorno do regime militar têm se manifestado promovendo aglomerações e desrespeitando o distanciamento social, sem sequer usar máscaras. Ao contrário, deveriam concentrar suas energias no clamor pela aceleração do processo de vacinação, que no Brasil ainda é lento, com cerca de 6% de pessoas imunizadas pela primeira dose na metade de março.

Melhor ainda se os saudosistas da ditadura se empenhassem em cobrar do governo federal um nível de articulação bem superior ao demonstrado, que garantissem as tão esperadas vacinas, assim como de seringas e agulhas. Diferente das crises diplomáticas decorrentes de uma postura negacionista, que insiste em desconhecer a extensão da pandemia.

CORRUPÇÃO NO REGIME MILITAR

Porém, documentos de arquivos da Ditadura Militar revelaram dados estarrecedores, inclusive sobre corrupção, enquanto o Brasil esteve sob este regime.

Os iludidos de que sob intervenção dos militares a gestão do país estaria em ordem desconhecem que nesse período aconteceram expressivos casos de corrupção, como a construção da Transamazônica, uma obra bilionária inconclusa por parte dos militares. No fim terminou sem asfalto e com menos quilometragem previstas, custando aos cofres públicos US$1,5 bilhões de dólares.

Narciso Pires, Coordenador do Grupo Tortura Nunca Mais, lembra que empresas citadas em casos de corrupção agora, encontraram terreno fértil no Regime Militar: “As pessoas não fazem ideia do que foi a corrupção na ditadura militar, todas estas empresas, OAS, Odebrecht, Camargo Correa, estas grandes empreiteiras se tornaram grandes deste jeito no Regime Militar. Este modo operacional foi construído nessa época em que tivemos o maior número de obras faraônicas, como Itaipu, Ponte Rio Niterói, Angra dos Reis, com valores altíssimos de superfaturamento”.

Miguel Salaberry Filho é presidente do Sindicato dos Empregados em Clubes e Federações Esportivas do Rio Grande do Sul e Secretário Nacional da União Geral dos Trabalhadores (UGT)