Desemprego avança, mas não há plano oficial do governo

A taxa de desemprego no Brasil pode alcançar um pico de 16,9% no primeiro semestre de 2021, após um primeiro trimestre afetado pelo fim da transferência de renda e a piora da pandemia, na avaliação de especialistas.

Em 29 de dezembro de 2020, por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrava que o número de pessoas desempregadas chegou a 14,1 milhões no trimestre encerrado em outubro. Um aumento de 7,1% em relação ao trimestre terminado em julho, ou 931 mil pessoas a mais à procura de emprego no país. Com isso, a taxa de desocupação ficou em 14,3%, um crescimento de 0,5 ponto percentual (p.p) em relação ao trimestre anterior.

Embora os técnicos visualizem um cenário de recuperação do emprego na segunda metade do ano, na esteira da reabertura da economia e da aceleração da vacinação, o ano de 2021 será desafiador para o país, que deve emergir da crise da Covid-19, com a informalidade superando o mercado formal de emprego.

EMPREGOS NA CRISE

Apesar do horizonte sombrio, o Brasil gerou 401.639 empregos com carteira assinada em fevereiro deste ano, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) divulgados em 30 de março, pelo Ministério da Economia. Essa é a diferença entre as contratações, que somaram 1.694.604 trabalhadores com carteira assinada no mês passado, e as demissões, que totalizaram 1.292.965 vagas formais.

O resultado é saudado pelo Ministério da Economia como o melhor desempenho para fevereiro, desde o início da série histórica em 1992, em 30 anos. Até então, a maior geração de empregos formais, para meses de fevereiro, havia sido registrada em 2011 (+280.779 vagas).

Todavia, o agravamento da pandemia no Brasil, a incerteza sobre o início do processo de vacinação mais ampla no país, o fim do auxílio emergencial, o atraso nas reformas econômicas e a possibilidade de mudança no regime fiscal são riscos negativos para o mercado de trabalho.

RETRAÇÃO DA MASSA SALARIAL

Mesmo com a aprovação de novo auxílio emergencial por quatro meses, economistas preveem a queda real de 6,6% na massa salarial, depois de alta estimada em 3,1% em 2020, apoiada nos programas de transferência de renda.

Mas, ao longo do segundo semestre, a taxa de desemprego deve começar a cair à medida em que a abertura da economia ganhar tração e a imunização contra a Covid-19 acelerar. A desocupação pode fechar 2021 em 13,5%, com criação líquida de 120 mil a 150 mil vagas formais, e terminará 2022 em 13,1%, índice menor do que o do trimestre encerrado em outubro de 2020, quando o IBGE media a taxa de 14,1%.

RETOMADA E NOVOS EMPREGOS

A implementação de uma agenda econômica, com base nas reformas tributária, administrativa, fiscal e nos marcos regulatórios também pode contribuir, na retomada do emprego.

A retomada da atividade econômica no segundo semestre pode produzir a abertura de cerca de 1,5 milhão de postos de trabalho (entre vagas formais e informais) nos segmentos mais golpeados pela pandemia, como os setores de serviços prestados às famílias e serviços domésticos, enquanto a vacinação acelera e deve chegar a quase 60% da população até o fim de 2021.

VALOR DO AUXÍLIO EMERGENCIAL

Além de servir como fonte de subsistência para boa parte da população, o auxílio também teve como efeitos a diminuição da desigualdade de renda e a redução da pobreza no Brasil em níveis historicamente baixos. Entre economistas, o auxílio é visto como um instrumento que impediu uma queda maior do PIB em 2020. Não fosse o auxílio, a recessão ligada à pandemia teria sido ainda mais profunda no Brasil. A ampliação dos gastos para conter a crise do coronavírus tem sido defendida por vários economistas que tradicionalmente defendem o controle das contas públicas.

PROGRAMA DE RENDA MÍNIMA

Ao todo, os gastos do governo com o programa ficaram na casa dos R$ 300 bilhões, o que representa cerca de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), que soma todos os bens e serviços produzidos no país no ano. O programa, que foi articulado pelo Congresso em março, foi encerrado em 31 de dezembro de 2020, mas retomado em fevereiro de 2021.

O ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, sugeriu que o governo criasse um programa de renda mínima que atenda até 100 milhões de pessoas, quase metade dos brasileiros. Na visão de Fraga, a iniciativa custaria cerca de R$ 300 bilhões (cerca de 4% do PIB) e poderia ser custeada com aumento da dívida pública.

GOVERNADORES RECLAMAM

Mas, enquanto parlamentares e representantes de consórcios de governadores criticam a falta de articulação do governo federal junto a estados e municípios para o enfrentamento da pandemia do coronavírus, o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Onyx Lorenzoni, afirma que não faltaram coordenação e planejamento por parte do governo durante a pandemia da covid-19.

Em pronunciamento feito em 29/03, o ministro aponta como prova da eficiência do governo a assinatura de Medida Provisória (MP) sobre novas regras para o ambiente de negócios, ocorrida no mesmo dia.

“Este é o governo que foi e é eficiente e prova isso com essa medida provisória, que vai permitir que o Banco Mundial, quando fizer avaliação do Brasil, faça o Brasil ascender 20 posições, em busca do sonho de chegar entre os 50 países mais competitivos do mundo”, declarou Onyx, em evento no Planalto para a assinatura da MP.

REFLEXOS DA DESORGANIZAÇÃO

A falta de articulação reclamada pelos governadores prejudica os estados na compra de insumos e equipamentos para UTIs, além do credenciamento de leitos. “O Governo Federal podia estar numa coordenação mais ampla, mais geral de enfrentamento à pandemia, de orientação e de palavras na mesma direção dos governadores e de diversos prefeitos”, afirmou Renato Casagrande, governador do Espírito Santo.

Mas as medidas anunciadas pelo governo federal para conter o impacto do coronavírus no Brasil “estão muito abaixo do que foi anunciado em outros países”, segundo levantamento do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), feito pelo economista Manoel Pires.

De acordo com ele, iniciativas anunciadas até o momento pelo governo federal — como antecipação do 13º salário de pensionistas e aposentados do INSS, redução temporária de impostos para empresas, ampliação do programa Bolsa Família, novos recursos para o Ministério da Saúde e transferências para Estados e municípios — somavam cerca de 4% do PIB do país, em março de 2020, quando a pandemia foi reconhecida.

NO EXTERIOR, OUTRAS PROPORÇÕES

Já na Alemanha, os gastos do governo para enfrentar a crise do coronavírus atingiram 37% do PIB, em março de 2020, com o anúncio de mais um pacote de 800 bilhões de euros (cerca de R$ 4,4 trilhões). As medidas incluem 156 bilhões de euros (R$ 854 bilhões) para financiar gastos sociais mais altos, com previsão de compensação financeira aos empregados que tiverem redução na jornada de trabalho.

O PIB é o conjunto de bens e riquezas gerado por um país em um intervalo de tempo, normalmente medido ao ano. A comparação dos valores anunciados pelos países contra a crise do coronavírus em percentual dos seus PIBs permite ver qual o esforço que cada nação tem feito, proporcionalmente ao tamanho de suas economias.

Miguel Salaberry Filho é Presidente do Sindicato dos Empregados em Clubes e Federações Esportivas e Secretário Nacional da União Geral dos Trabalhadores (UGT)