Teto dos gastos, Orçamento da União e Lava Jato, entre os principais acontecimentos

Os fatos de maior relevância na vida brasileira, transcorridos no início da segunda quinzena de agosto, são objeto da análise do cientista político Benicio Schmidt. O catedrático é Pós-Doutor pela Universidade de Paris e Doutor em Ciência Política pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos; Professor Titular aposentado da Universidade de Brasília e Consultor Sênior da Empower Consultoria em Análise Estratégica e Risco Político.

ALÉM DO TETO DOS GASTOS – O debate sobre o furo no teto dos gastos em 2021 é uma ameaça à regra fiscal que determina que as despesas públicas totais não podem crescer acima da inflação do ano anterior. Criada no Governo Temer (MDB), dentro do programa “Uma Ponte para o Futuro”, a PEC 241/55 (PEC do Teto dos Gastos) estipula um teto para os gastos do governo e impõe sanções aos poderes e órgãos que o desrespeitarem, além de eliminar as vinculações de áreas como saúde e educação, que antes estavam associadas à evolução da arrecadação total. A medida estabelece que os gastos reais do Governo Federal fiquem congelados por 20 anos.

Estimado em R$ 180 bilhões antes da pandemia, a excepcionalidade da conjuntura fez com que os gastos chegassem a R$ 800 bilhões e levanta a questão da necessidade de dispor de uma reserva destinada para prover a recuperação do emprego, da renda e da capacidade de investimentos, como forma de produzir um efeito positivo sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e como fator de redução da dívida pública, a partir do crescimento da arrecadação.

Três pontos se destacam entre os principais argumentos da ortodoxia reinante, coordenada por Paulo Guedes, no Ministério da Economia. O primeiro item aponta a possibilidade da fuga de capitais, o que já acontece desde 2016, em montante acima da média histórica do Brasil.
O rompimento da regra também poderia levar à inflação de custos, fato não comprovado na prática, havendo setores que registram deflação, fenômeno em que os preços de produtos e serviços caem em determinado período.

O terceiro argumento sustenta que o aumento da dívida pública provocaria a elevação da taxa de juros. A dívida, que avançou de 65% para quase 80% do PIB, não influiu na alta dos juros, que estão na média histórica mais baixa do país. Também se fala que o furo do teto conduziria o país para a recessão, uma realidade constatada desde o ano passado.
Tais alegações são originadas na tensão interna do governo sobre o papel do Estado. Como as grande potências mundiais, a comunidade econômica europeia aderiu a um programa coletivo de 750 bilhões de euros voltados para financiar a reativação econômica dos países do bloco, o mesmo que fazem os Estados Unidos desde 2008, quando estava no centro da crise, assim como o Japão. Resta saber qual operação será acionada pelo governo brasileiro, visto que os argumentos são refutáveis.

A situação torna possível uma previsão: os dias de Paulo Guedes podem estar contados dentro do governo, uma vez que o presidente da República e outros ministros apoiam a retomada do investimento público na ordem de R$ 30 bilhões, enquanto a peça do orçamento que será enviada para o Congresso prevê o montante de R$ 10 bilhões. Junto às teses de austeridade fiscal, o ministro Paulo Guedes passa a correr perigo.

FATIAMENTO DE ESTATAIS – Ao contrário das teses do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF) e da concepção inscrita na Constituição Federal, o governo está fatiando as empresas estatais, com a finalidade da venda no mercado privado. O parque eólico da Eletrobrás no Rio Grande do Sul, no qual a estatal empregou R$ 3,1 bilhões, foi negociado por R$ 500 milhões, em um prejuízo operacional vultoso.

MAIS DEFESA, MENOS EDUCAÇÃO – 
A proposta orçamentária que será enviada pelo Ministério da Economia para o Congresso pretende reservar R$ 5,8 bilhões a mais no Orçamento do ano que vem para despesas com militares do que com a educação no país. Em 2021, a Defesa terá uma acréscimo de 48,8% em relação ao orçamento deste ano, passando de R$ 73 bilhões para R$ 108,56 bilhões, enquanto a verba do Ministério da Educação (MEC) deve cair de R$ 103,1 bilhões para R$ 102,9 bilhões.

O MEC destinará 70% dos recursos para despesas com salário e o Ministério da Defesa gastará 91% do orçamento para a mesma finalidade. A destinação de verbas para as duas pastas revela a importância estratégica e o papel político das Forças Armadas para o governo.

CABO DE GUERRA JURÍDICO –
 Segue ferrenha a luta entre a Força-tarefa da Operação Lava Jato contra a união estratégica da Advocacia-Geral da União (AGU), Procuradoria Geral da República (PGR) e Supremo Tribunal Federal (STF), que discordam da autonomia da Força-Tarefa. Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, será alvo de uma ação disciplinar por parte do Conselho Nacional do Ministério Público, que vai limitar as ações dos lavajatistas. Assumindo expressiva relevância, o Poder Judiciário procura resolver a crise momentânea.

APROVAÇÃO A JAIR BOLSONARO –
 A pesquisa que anuncia um maior apoio ao presidente Bolsonaro, desde que assumiu o governo, está baseada no apoio momentâneo dos setores informais da economia e dos desempregados. O término do apoio emergencial pode indicar uma tendência de queda dos índices de aprovação governista.

Destaque negativo para o caso da menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada em São Mateus no Espírito Santo. Ela passou por procedimento que interrompeu a gravidez em um hospital de referência em Pernambuco. A irracionalidade de fundamentalistas religiosos excomungou o médico que conduziu a operação. O mais grave, porém, é a pessoa ferida em seu direito inalienável não ver a aplicação do código penal, como deveria.

Renato Ilha, jornalista (Fenaj 10.300)