Trabalhadores perderam empregos, enquanto governo e políticos mantem privilégios

Como ocorre em épocas de crise, os trabalhadores são os que mais perdem em épocas de crise.

A pandemia da Covid-19 provocou impacto profundo no mercado de trabalho, afetando especialmente os trabalhadores com menor proteção social e baixa escolaridade. No Brasil, efeitos significativos foram notados em função da queda sem precedentes da população ocupada e da população economicamente ativa, mas também porque, diferentemente de recessões anteriores, desta vez os trabalhadores informais foram mais atingidos que os formais. Em particular, embora a redução do emprego formal em 2020 tenha sido expressiva (-4,2%), a queda no emprego informal foi proporcionalmente três vezes maior (-12,6%).

Note que as ocupações de baixa escolaridade foram particularmente afetadas, com redução de 20,6% no emprego de pessoas com até 3 anos de estudo e de 15,8% no grupo com escolaridade entre 4 e 7 anos. Por outro lado, houve um aumento de 4,8% no emprego de pessoas com 15 anos ou mais de estudo.

Além do forte impacto negativo da pandemia no mercado de trabalho no curto prazo, estudos recentes mostram que seus efeitos também serão significativos a médio e longo prazo. Contrariando previsões de alguns analistas de que as novas tecnologias resultariam em aumento permanente da taxa de desemprego, antes da pandemia a criação de empregos era significativa.Continua depois da publicidade

A pandemia vai agravar este quadro, dificultando ainda mais a geração de bons empregos, entendidos como aqueles de boa remuneração e um grau adequado de proteção social. São enumeradas algumas razões para isso. Trabalhadores de menor qualificação de setores de serviços pessoais, como hospedagem, alimentação e transporte de passageiros, serão negativamente afetados pela queda de demanda decorrente da realocação de parte da atividade produtiva de escritórios para residências.

REDUÇÃO SALARIAL SÓ DE TRABALHADORES

Como ocorre em épocas de crise, os trabalhadores são os que mais perdem em épocas de crise. Editada em abril de 2020, Medida Provisória (MP) 936, transformada posteriormente em decreto, autorizou a suspensão de contrato e redução de jornada e salário de empregados, em nome da preservação dos empregos durante a crise econômica causada pelo novo coronavírus. Inicialmente válidas por 90 dias, as medidas foram prorrogadas duas vezes.Continua depois da publicidade

A MP autorizou a redução salarial de 25%, 50% e 70% e a suspensão do contrato por até oito meses, considerando as prorrogações. Durante a vigência dos acordos, o governo federal complementou a renda dos trabalhadores na mesma proporção da redução de jornada, até o máximo de R$ 1.813 por mês. O programa viabilizou de 20,1 milhões de acordos, envolvendo 9,85 milhões de trabalhadores e 1,46 milhão empresas, entre abril e dezembro deste ano.

Em 2020, sob o impacto da crise sanitária, a perda de postos de trabalho mais do que o dobrou em comparação à recessão econômica de 2015-16, atingindo 7.774 mil pessoas, contra uma redução de 3.817 mil pessoas ocupadas no país naqueles dois anos. O nível de ocupação despencou 8,3% num curtíssimo intervalo de tempo.

GOVERNO E POLÍTICOS FORA DA REALIDADE

Mas enquanto os trabalhadores sofrem com a retração da atividade econômica e a muitos se arriscam a ser contaminados para não perder emprego e sustentar a família, ricos e integrantes de alguns setores, como os políticos, pouco têm com o que se preocupar. Vivem noutro mundo, com privilégios e vantagens crescentes.

Em meio à crise fiscal e ao contingenciamento de salários e benefícios na iniciativa privada, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, em ato assinado pelo presidente Arthur Lira (PP-AL), determinou o aumento de 171% do valor de reembolso dos parlamentares em procedimentos médicos. O valor máximo de ressarcimento, que era de R$ 50 mil, foi elevado para até R$ 135 mil devolvidos pelo poder Legislativo.

O governo federal, que deveria ser exemplo de probidade, fez gastos inadmissíveis num período de perdas de vidas até por falta de oxigênio. Em apenas duas despesas, foram R$ 5,6 milhões, para viagem de veraneio do presidente Jair Bolsonaro e compra dos direitos de reprodução da novela bíblica “Os Dez Mandamentos”. Os R$ 3,2 gastos com o filme pagariam 56 mil doses da vacina CoronaVac, sem que o governo federal contrariasse a Organização Mundial da Saúde (OMS), que não recomenda a hidroxicloroquina para o tratamento contra a Covid-19.

CENÁRIO DE INCERTEZAS

Em um cenário de incertezas e de contração da atividade, as consequências sobre o mercado de trabalho serão profundas e mais graves do que as observadas nas recessões anteriores. Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) assinala que 8,8% das horas de trabalho globais foram perdidas em 2020 (comparado ao quarto trimestre de 2019), o que equivale a 255 milhões de empregos em tempo integral. Esse número é aproximadamente quatro vezes superior ao número perdido durante a crise financeira global de 2009.

Essas perdas resultaram em uma queda de 8,3 % da renda global do trabalho (antes de se contabilizarem as medidas de apoio), equivalente a US$ 3,7 trilhões, ou 4,4 % do Produto Interno Bruto (PIB) global.

As horas de trabalho perdidas são explicadas por jornadas de trabalho reduzidas para aquelas pessoas que estão empregadas ou por níveis “sem precedentes” de perda de emprego, que atingiram 114 milhões de pessoas.

Miguel Salaberry Filho é presidente do Sindicato dos Empregados em Clubes e Federações Esportivas do Rio Grande do Sul (SECEFERGS) E Secretário Nacional da União Geral dos Trabalhadores (UGT)

 

Fonte: Seu Expediente