Se tem uma frase e questionamento que me acompanha nesses 35 anos de ativismo social é essa. Infelizmente, acreditei – continuo acreditando – que pós redemocratização do País que ela seria excluída. Impossível lembrar quantas vezes continuei a utilizar.
Nos últimos trinta dias ela voltou a fazer parte do meu repertório por vários motivos. Dois deles emergiram da representatividade política. Antes de citar, creio necessário lembrar como ela surgiu. Alguém pode estar pensando: uma música de sucesso, entre tantos outros, do Renato Russo nos anos 80. A maioria acha. Não foi.
Ao olhar para os registros históricos vamos verificar que a expressão nasceu nos bastidores do regime ditatorial após o golpe militar de 64.
Como? Em 1976, o presidente da Arena, Francelino Pereira, falava sobre uma promessa do então presidente Ernesto Geisel de iniciar a transição, em que o regime seria aberto gradualmente e os governadores seriam eleitos pelo voto direto dali a dois anos.
A oposição duvidou da promessa, e ele perguntou: “Que País é este em que o povo não acredita no calendário eleitoral estabelecido pelo próprio presidente”. O que aconteceu? No ano seguinte, Geisel fechou o Congresso, aumentou o mandato de presidente para seis anos, e decidiu que um terço dos senadores seria indicado pelo presidente.
Talvez inspirado nesse fato, o autor da letra da música escreveu:
“Nas favelas, no Senado
Sujeira para todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação”.
Voltando ao uso da pergunta e os motivos pelos quais usei muito no último mês. Dois deles não tinha como não usar. O primeiro é o absurdo do PL de criminalização das mulheres, vítimas de estupro, que fizerem aborto após determinado tempo com penalidade maior do que a do criminoso.
Se aprovado, o que acontecerá é penalizar e encarcerar mulheres pobres, em sua maioria negras. Mas, graças a liberdade de imprensa e mobilização de diversos segmentos sociais, virou pauta nacional e freado. Na torcida para não seja aprovado.
O segundo enquadra-se no capítulo “eu não acredito”. É incrível a insanidade, para dizer o mínimo, a proposição apresentada por um vereador da capital paulista querendo legislar sobre atitudes de caridade e minimização de um dos vários sofrimentos dos moradores de rua: a fome.
Num País onde mais de 7,5 milhões de pessoas vivem com renda domiciliar per capita inferior a R$ 150 por mês – fonte, Observatório Brasileiro das Desigualdades, mulheres e afrodescendentes são os mais impactados pela desigualdade. Fico pensando: o que passa pela cabeça desse legislador?
Infelizmente, vamos continuar perguntando: que País é esse?
(Gelson Santana é presidente do STICC e membro do GT relações entre trabalhadores e empregadores do Ministério do Trabalho)